Acessos de raiva (birra) e crises de colapso sensorial
Para muitas crianças e famílias, as ocorrências destas situações são bastante comuns e altamente estressantes.
É importante reconhecer as diferenças entre esses comportamentos, pois embora aparentem alguma similaridade são diferentes e não devem ser tratados da mesma maneira.
O que é uma birra?
Um acesso à raiva normalmente ocorre quando uma criança não consegue ter o que ela quer ter ou fazer e ocorre mais frequentemente quando a criança começa a afirmar sua independência – entre um e quatro anos de idade. Nesse estágio elas já adquiriram habilidades motoras, de linguagem e de solução de problemas, embora ainda limitadas.
Crianças pré-escolares são propensas a birras (acessos de raiva) durante o processo de desenvolvimento em estágios em que não têm ainda habilidades mais complexas para resolver suas frustrações.
Isso ocorre porque:
- Elas têm um desejo grande de se tornarem independentes, mas têm habilidades motoras e cognitivas ainda limitadas para planejamento, organização e execução; o que as impede de serem realmente independentes.
- Elas têm habilidades de linguagem ainda incipientes, o que torna frustrante a comunicação de seus desejos e necessidades.
- O córtex pré-frontal do cérebro ainda está em desenvolvimento. Este é o centro do cérebro responsável pela regulação emocional e comportamento social – portanto, elas não têm pouca capacidade de se controlar.
- Elas estão ainda desenvolvendo uma compreensão de seus mundos, o que geralmente produz ansiedade. Essa ansiedade e a falta de regulação geralmente resultam em acessos de raiva as coisas ficam difíceis de controlar.
Uma característica marcante de uma birra é que ela geralmente persistirá se a criança receber atenção pelo seu comportamento, mas diminuirá se este quando for ignorado. Quando a criança faz birra, ela ajusta o nível da birra conforme grau de feedback recebido dos adultos ao seu redor. As birras vão parar quando a criança consegue o que quer ou quando percebe que essa explosão não resultará em conseguir o que quer. Quando os pais “cedem” à birra, os filhos têm maior probabilidade de repetir este comportamento na próxima vez que lhes for negado o que querem.
À medida que as crianças crescem, desenvolvem habilidades de autoregulação para controlar as emoções associadas à ansiedade e à raiva. Caso os acessos de raiva persistam além do que é apropriado para o estágio de desenvolvimento, poderão surgir em idade mais adulta, dificuldades socio-emocionais com respostas inadequadas a essas emoções.
O que é uma crise de colapso sensorial?
A crise de colapso ocorre quando a criança perde o controle de seu comportamento e só pode ser acalmada pelos pais ou quando chega à exaustão.
As crises de colapso são reações ao sentimento de opressão e costumam ser uma resposta do organismo a uma superestimulação sensorial. Assim como os acessos de raiva também os colapsos também podem levar a crises de explosão, podendo ser difícil diferenciar uma crise da outra (e responder apropriadamente) se os pais não estiverem sintonizados com os sinais sensoriais da criança.
Quando uma pessoa com autismo experimenta uma estimulação sensorial muito alta, o sistema nervoso central é sobrecarregado e fica incapaz de processar todas as informações (entra em colapso). É um “congestionamento” fisiológico no sistema nervoso central, e pode-se dizer que a reação à superestimulação sensorial é semelhante a uma resposta descontrolada de um adulto diante de um inesperado congestionamento de trânsito.
Todos nós já passamos pela experiência de estar dirigindo alegremente em direção ao nosso destino, rodando pela estrada, cantando uma música favorita, quando de repente, o tráfego para. Então, em vez de “navegar” confortavelmente (como era a nossa expectativa), você está parado no meio da estrada, cercado por caminhões enormes, fumaça expelida pelos canos de descarga, buzinas estridentes e sol escaldante. A ansiedade da situação é agravada pelas sensações que você está experimentando e, de repente, até a música favorita é demais para suportar (sobrecarga sensorial). A última coisa que você quer é ficar preso em seu carro naquele engarrafamento – você quer sair dali. Mas não tem para onde ir. A resposta típica neste momento é agitação e frustração. Talvez você desligue o rádio, feche os olhos e respire fundo algumas vezes para se acalmar (resposta adaptativa); ou, ao contrário, você simplesmente não consegue lidar com a situação e tem uma explosão de raiva (resposta inadequada). Em momentos de ansiedade e estresse, órgãos de nosso sistema nervoso autônomo produzem hormônio cortisol e desencadeiam uma “resposta de luta ou fuga”.
Quando as pessoas com autismo ou disfunção de processamento sensorial experimentam uma superestimulação sensorial, são incapazes de regular as entradas sensoriais vindas do ambiente e seus corpos percebem essas entradas como ameaças.
Então ocorre o colapso, e neste momento pode ser difícil distinguir comportamentos de respostas fisiológicas de reações comportamentais controláveis. É necessário lembrar que não podem ser esperadas respostas lógicas e racionais, quando o corpo da criança percebe essas situações como ameaçadoras.
Como as respostas que acontecem durante um colapso são de origem fisiológica, enquanto as birras (reações de um acesso de raiva) são comportamentais, naturalmente as estratégias a serem adotadas, em cada caso, são muito diferentes.
Extraído de: Expert Ways to Help Tame Tantrums and Manage Meltdowns – Publicado em: Autism Parenting Magazine #68
Alescia Ford-Lanza, MS, OTR / L, ATP, é terapeuta ocupacional e com experiência de tecnologia assistiva, integração sensorial, membro colaborador do Conselho Consultivo da Wolf + Friends, redatora de conteúdo colaborador da Harkla, fundadora da Adapt & Learn, LLC.
Maria Aparecida Griza (CIDA GRIZA) é Especialista em Saúde Mental. Psicopatologia e Psicanálise / PUCPR, Especialista em Atenção à Saúde da Pessoa Idosa – Gerontologia / UFSC, Especialista em Rede de Atenção à Saúde da Pessoa com Deficiência / UNESC, Formação em Integração Sensorial – LUMENS – Campinas/SP, Terapeuta Ocupacional da SEVEN SENSES – Espaço Pediátrico de Integração Sensorial (Florianópolis/SC).
****
Tradução e adaptação: Equipe SevenSenses
Nas próximas publicações:
Parte 2 – Como lidar com a birra?
Parte 3 – Como lidar com a crise de colapso?
CURTA E COMPARTILHE !!